Quilombolas Sanfranciscanos
Os quilombos sanfranciscanos foram formados a partir da busca por refúgio dos povos negros escravizados no Brasil colonial. Pelas características da terra, como a alta incidência de malária e os obstáculos naturais que tornavam difíceis incursões de brancos colonizadores, mais de uma centena de comunidades quilombolas puderam se firmar por uma área de mais de 17 mil km². A ocupação negra na região data desde, pelo menos, meados do Século XVIII.
Foi apenas nos anos 1950, quando a malária começa a ser controlada, que a colonização se direciona às terras sanfranciscanas. Fazendeiros passam a expulsar famílias das terras e tomá-las para si e o Estado brasileiro, aliado à iniciativa privada, começa a incidir com mais violência sobre as populações tradicionais lá presentes. Projetos como o Projeto Jaíba (criado na década de 50 com auxílio de capital internacional e ganhando força nas décadas de 70 e 80 com o governo militar) são usados para expulsar as populações da região e viabilizar o agronegócio. O Projeto Jaíba, em particular, tem início efetivo de suas operações em 1988, já no período de redemocratização, mostrando que a visão para o campo da Ditadura permanece como herança no país.
Apesar dos séculos de ocupação e das décadas de conflito, a presença quilombola na região sanfranciscana permaneceu relativamente invisibilizada para o resto do país até 1999, com a defesa da dissertação do antropólogo João Batista de Almeida Costa, o primeiro estudo acadêmico realizado sobre as comunidades.
Já em janeiro de 2007, através dos esforços de articulação entre as comunidades quilombolas sanfranciscanas, acontece a 1ª Conferência Quilombola da região, que reuniu representantes de 27 comunidades e 18 municípios. Entre as propostas definidas na Conferência estão:
Esse movimento de unificação de lutas resulta, em 2018, no reconhecimento pela Fundação Palmares de 105 comunidades quilombolas, distribuídas em 14 municípios. No entanto, isso não bastou para frear os conflitos de terra. Um dos impasses vivenciados hoje pelos quilombolas decorre da implantação de Unidades de Conservação que passam por cima das comunidades tradicionais e seus territórios. Apesar dos povos tradicionais serem reconhecidos internacionalmente como os maiores defensores do meio ambiente, não é incomum projetos justificados pela proteção ambiental serem usados para atacar essas populações.
As cinco comunidades que compõem o Quilombo de Praia (Cana Brava, Vereda, Ilha da Curimatã, Porto de Matias e Comunidade de Praia), nas proximidades de Matias Cardoso, foram reconhecidas e certificadas pela Fundação Palmares em 2005. São formadas por famílias de descendentes de pessoas escravizadas vindas do Sul da Bahia, que se instalaram às margens do Rio São Francisco há, pelo menos, 200 anos. O Quilombo de Praia tem uma rica espiritualidade e cultura, com manifestações como o reizado, os batuques às festas tradicionais dos santos, além de muitas notórias parteiras como Mãe Piana, que já realizou mais de 2000 partos e foi homenageada com a Medalha Maria da Cruz pelo Estado de Minas Gerais.
Foi a partir da década de 70, no contexto das políticas de fomento à agricultura empresarial encabeçadas pela ditadura militar, que começaram os conflitos de terra entre quilombolas e fazendeiros. O Estado, através da Ruralminas, passa a acobertar as aventuras dos empresários com títulos ilegais de terra, iniciando um processo de encurralamento e cerceamento das comunidades quilombolas e povos tradicionais da região. Diante disso, os quilombolas criam, em 2012, a Associação Quilombola, como forma de se articularem, se organizarem entre si e resistirem.
Em julho de 2015, frustrados com a morosidade do INCRA para dar início ao processo de regularização do território, 165 famílias do Quilombo de Praia se organizaram para retomar um território tradicional, então sob posse de uma empresa. Começa uma luta judicial que continua até hoje, com um pedido de reintegração de posse feito pela empresa, no momento suspenso na Justiça Federal. Em Janeiro de 2019, o INCRA/MG inicia, enfim, os estudos antropológicos do território quilombola de Praia. O acampamento alvo da disputa foi batizado pela comunidade de “Mãe Romana”, em homenagem a uma das antigas parteiras da região.
Os moradores do Quilombo da Lapinha têm duas raízes históricas. A primeira, dos quilombolas que sempre estiveram lá e, refugiados do regime escravocrata, se instalaram na região. A segunda, de retirantes do interior, que se deslocaram de suas terras nos períodos de seca. As duas origens se mesclam com as interações, casamentos, famílias que são formadas e dão ao quilombo uma identidade múltipla, com sua população se entendendo enquanto quilombolas vazanteiros e vivendo e produzindo de acordo com os ciclos do Rio São Francisco.
Assim como com outras comunidades do norte mineiro, a escalada das disputas de território entre os povos tradicionais e o empresariado agrário se acirra com a implantação das políticas de investimento no agronegócio durante a Ditadura Militar. Os quilombolas da Lapinha passam por um processo de expulsão de suas terras e encurralamento dentro de seu próprio território.
Reconhecida pela Fundação Palmares e o Governo Federal em 2005, a luta do Quilombo da Lapinha segue, tendo como foco de tensão o território conhecido como Fazenda Casa Grande, parte das terras ancestrais dos quilombolas da Lapinha e de onde foram expulsos décadas atrás. Depois de uma tentativa de retomar o território, começa mais uma longa disputa judicial contra fazendeiros e o próprio Estado.
Na época, a fazenda era de propriedade privada de uma empresa, mesma responsável por requerimento de despejo em 2006. Já em 2010, a Fazenda Casa Grande é comprada pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, sob argumento de anexação ao Parque Estadual Lagoa do Cajueiro, criado em 1998. Como condição para consolidar a compra, foi exigida a remoção dos quilombolas, que recorreram à justiça. O impasse com o IEF permaneceu aceso até 2019, quando foi suspensa por decisão judicial um pedido de remoção de dezenas de famílias quilombolas, reconhecidas pelo INCRA em 2015 e assentadas em uma vila já estruturada e com equipamentos públicos.
Saiba mais sobre a luta da Lapinha no vídeo abaixo.