Território quilombola, Quilombo de Praia em Matias Cardoso - MG, 2015

Seu Lindemberg (86), camponês vazanteiro, é também caçador. Mas não pratica a caça esportiva desnecessária e irresponsável, e sim aquela de quem provê para si tudo o que come a partir da relação com a floresta e o rio. Nesta foto, Lindemberg nos mostrava os esconderijos de seus instrumentos de defesa. Não se deu bem com a cidade quando tentou morar com os filhos. Lindemberg prefere a roça e nela mora sozinho em sua casa-território que, contou ele, já sofreu várias tentativas de invasão. 
Nossa visita interrompeu o seu momento de televisão, mas a receptividade foi calorosa. Caminhou conosco pelo território, nos contou sua trajetória e nos mostrou com muito lamento a seca do Rio São Francisco. A situação do rio trazia-lhe lágrimas aos olhos, mas também muitas memórias e poesia. Seu Lindemberg também narrou alguns contos que não estavam escritos em lugar algum, guardados apenas em sua cabeça boa de não esquecer. Tive o contentamento de registar um deles.
Infelizmente, em 2019, Seu Lindemberg faleceu fazendo o que fazia cotidianamente: cuidar do roçado. No mesmo ano, uma fotografia sua se tornou capa do caderno institucional do Instituto de Comunicação da Fiocruz (ICICT / Fiocruz). A cultura e a comunidade sertaneja sanfranciscana, bem como todo o Brasil, perdem muito, tanto que eu mesma não sei dizer, mas compartilho as palavras da Zilah de Mattos - mulher admirável que dedica sua vida à justiça no campo atuando pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e que também tive o prazer de conhecer - amiga próxima de Lindemberg:
"ADEUS MESTRE, AMIGO E CONSELHEIRO!
Lindemberg Passos, 89 anos, um camponês ribeirinho do rio São Francisco, em Manga, Sertão Norte Mineiro. Passado uma semana de sua ressurreição, a saudade é intensa. Deixou para os campones@s um grande legado, quem teve a graça e o previlégio de sua companhia compreende a sua grandeza. Na terrinha em que viveu por décadas, foi um grande amante e guardião da mãe terra e a irmã natureza, como ele as chamava. Na roça, cultivava para ele e os animais silvestres. Vivendo no anonimato, um grande sábio, poeta, repentista e profeta. Senhor Lindemberg escrevia e recitava, com o coração e alma, a paixão, o amor, o respeito, o cuidado em defesa da vida da irmã natureza. Ao vê-lo buscar água no Velho Chico, muitas vezes o vi chorar, lamentar e clamar a Deus por justiça, pedindo que livrasse nosso pai Chicão da ganância dos homens... Com carinho, olhar brilhante e profundo de felicidades, sempre vinha nos receber na estrada de sua casa. Guardo na memória esse último semblante da minha visita e das boas prosas e ensinamentos." (25 de agosto de 2019)
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